As alergias alimentares múltiplas entraram na vida de Marcella Lima, especialista em saúde intestinal, de forma inesperada.
A sua primeira filha, Sofia, recém nascida, manifestou sintomas de intolerância grave a substâncias que consumia, indiretamente, através do leite materno.
Foram meses de idas e vindas a especialistas e momentos de muito sofrimento.
Para lidar com os desafios relacionados ao diagnóstico e tratamento, Marcella decidiu arregaçar as mangas e aprender tudo que podia para cuidar da filha, cujas intolerâncias colocavam-na em risco de vida por anafilaxia.
Trata-se da manifestação mais grave da reação alérgica que pode apresentar desde dificuldades respiratórias e até mesmo levar à morte.
Construindo o seu próprio caminho
Ela que é formada em Química Industrial, com especialização em Petróleo, conta que o que pesou mais na decisão de se aprofundar na área da saúde foi a dificuldade de encontrar suporte para seguir em frente, quando decidiu mudar para Portugal, mais precisamente para Vila do Conde, na região Norte do país.
“Ouvi coisas como “não há comprovação científica de que o bebê possa se contaminar através do leite materno”.
“Ou ainda que o meu amor era patológico, devido a minha preocupação com as intolerâncias alimentares da minha filha”, recorda.
“Houve pediatras que disseram para mim que eu tinha em mãos uma bomba relógio”.
O primeiro passo foi estudar gastronomia e nutrição funcional além de modulação intestinal.
Era importante fazer substituições alimentares seguras e criativas que permitissem nutrir a filha de forma que ela crescesse saudável.
Além disso, era preciso trabalhar a relação intestino e imunidade, de forma aumentar a tolerância do organismo aos alérgenos.
Inicialmente, Marcella pesquisou muito e depois fez cursos com especialistas brasileiros renomados como os nutricionistas Gabriel Carvalho e Denise Carreira, além da médica gastroenterologista Denise de Carvalho.
E ainda hoje continua a aumentar o seu conhecimento. Exemplo disso é o seu mais novo investimento: um curso de Medicina Integrativa e Funcional que iniciou este ano.
Aceitar e seguir com leveza
Hoje, com 8 anos de prática diária relacionada aos cuidados dos próprios filhos, ela se dedica a partilhar conhecimento e orientar outras pessoas através do projeto que nomeou de “Bem Mais Leve”
Literalmente, segundo a especialista, significa tirar o peso que diagnósticos de alergia alimentar e outras condições inflamatórias impõe a vida das pessoas.
“ Podemos seguir com leveza e fazer alterações que permitam uma maior qualidade de vida. Isso tudo sem deixar de comer coisas gostosas como pão, bolos e sobremesas”, afirma ela que divide o espaço de trabalho com o marido, o cirurgião plástico João Lima.
Marcella orienta desde mães – cujos filhos têm alergias alimentares ou enfrentam problemas gastrointestinais possíveis de melhorar com alterações no estilo de vida – à mulheres que querem emagrecer, por exemplo. E não só: o seu trabalho também inclui suporte para pessoas que têm doenças crônicas e autoimunes.
“Sabemos que todas as doenças crônicas começam no intestino. Portanto, é possível minimizar sintomas e, às vezes, conquistar remissões de certas condições, tratando o intestino e mudando a alimentação”, revela Marcella Lima.
Desafios dos primeiros dois anos
Sofia, hoje com 8 anos, alimentou-se exclusivamente de leite materno até os seis meses de vida. Inicialmente descobriu-se que a criança não tolerava proteína do leite, soja e ovo, alimentos que foram excluídos da alimentação materna.
Com seis meses, repentinamente, Marcella deixou de ter leite Naquele instante, conta que sentiu desespero, pois não fazia ideia do que faria daquele momento diante.
O primeiro alimento, da lista de introduções alimentares da filha, foi a banana, que ela não tolerou. Sofia aceitou bem o peixe, uma vitória naquele momento da vida.
Entretanto, para surpresa da família ao experimentar o bacalhau no Natal, já com dois anos de idade, manifestou reação alérgica. “Parecia que o rosto havia sido picado por várias formigas”.
Novos testes revelaram que a menina apresentava alergias aos chamados peixes da linha azul. Nesta categoria, além do bacalhau estão o salmão, atum, sardinha entre outros.
Uma certa vez, ao comer um peixe empanado com farinha de linhaça, mais um susto, mais uma descoberta: o seu organismo não tolerava a linhaça.
Não bastasse os desafios com a primeira filha, João, o segundo filho, do casal, hoje com 4 anos, também nasceu com alergias alimentares além de dermatite atópica, doença inflamatória crônica. “Com João foi mais fácil, pois eu já tinha a experiência da Sofia”, conta.
Restrições e cuidados
As alergias alimentares acabaram por restringir a vida social da família. Marcela e o marido condicionam o lazer ao que é possível e seguro para as crianças. Não há férias em hotéis e raramente há saídas para restaurantes.
Aos 4 anos de idade, João nunca foi a uma festinha de crianças, embora já entenda e peça a mãe para ir. Marcela ainda segue negando.
“É importante entender que nesta idade a criança ainda não tem maturidade para compreender as consequências das suas escolhas. E neste caso, elas representam risco de vida”.
Entretanto, a filha mais velha do casal, hoje com 8 anos, já participa das reuniões e festinhas entre amigos, mas sempre acompanhada da sua própria lancheira.
Informação e vigilância
Nas reuniões familiares e na escola também é preciso vigilância e cautela. Atitudes impensadas, por falta de informação, podem colocar a vida de uma criança com alergias alimentares em risco.
Quem não compreende ou não convive com esta realidade considera neurose ou exagero.
Isso até verem de perto as manifestações relacionadas a reações imunológicas do organismo quando em contato com substâncias que o corpo não tolera.
“Certa vez a avó de Sofia, usou uma frigideira onde havia passado um bife na manteiga. Por uma reação cruzada, imediatamente a menina apresentou edemas e vermelhidão na boca. “Parecia a boca de um palhaço”, recorda Marcella.
Uma outra vez, a diretora da escola resolveu dar um pedacinho de bolo que continha iogurte e a menina começou a vomitar em jatos.
“Quando me ligaram para dizer que ela vomitava sem parar, minha primeira pergunta foi: o que lhe deram para comer?” E se o alimento está na lista daqueles que não são permitidos, a pergunta é: por que lhe deram?”
Geralmente as pessoas acham que é exagero e que “só um pedacinho” não fará mal. Também alegam pena de ver a criança assistir e não poder comer.
Negociações com a escola
A escolha da escola, aliás, é um outro desafio que mães de filhos com alergias alimentares precisam enfrentar.
“Eu precisava ter acesso às ementas e a forma de preparo dos alimentos servidos na cantina escolar.
Garantir que fossem feitas as exclusões dos alérgenos. Queria também o direito de levar lanches a parte”, afirmou Marcela ao referir as dificuldades que enfrentou neste sentido.
Kit de medicamentos
Não existe medicamento que melhore ou previna a alergia alimentar. A única forma de gerenciar a situação é evitar o contato com o alérgeno. O tratamento medicamentoso é utilizado em caso de exposição acidental.
A medicação utilizada pelas crianças, que também está disponível na escola, faz parte do kit que as carregam sempre consigo. Inclui anti-histamínico, corticoides e caneta de adrenalina.
Os anti-histamínicos funcionam nas reações mais leves. Os corticóides entram para prevenir ou combater reações mais generalizadas como as dificuldades respiratórias.
A adrenalina é usada em última instância para reverter condições alérgicas graves ou anafilaxia que popularmente se chama choque anafilático.
Tratamento e novas perspectivas
Apesar de todos os cuidados, há momentos em que Marcella enfrenta os questionamentos e dúvidas da própria mente. E se acontecer na escola? E se não der tempo de chegar? E se o quadro não se reverter?
Como estão crescendo, as crianças querem mais liberdade. Reivindicam o direito de vivenciar atividades sociais entre amigos e colegas, longe dos pais. E o mais difícil é deixá-los sair da zona de segurança, sabendo que o pior pode acontecer.
Neste sentido, o principal foco do tratamento segue sendo dessensibilizar o organismo. Ou seja, aumentar a exposição controlada aos alergénios de forma que adquiram cada vez mais tolerância.
“Hoje o João, por exemplo, já consegue tolerar o equivalente a um copo de leite, o que é uma vitória. Creio em Deus e peço, muitas vezes, a cura dos meus filhos. Estamos evoluindo e acredito que, no futuro, eles poderão se expor a estes alimentos sem nenhum risco de vida”, afirma.
Aos poucos, Marcella segue experimentando os resultados da sua fé. O mais recente, segundo ela, foi ter encontrado, de forma muito inusitada, uma competente alergologista e iniciar uma nova fase de tratamentos e testes com muito boas perspectivas para Sofia.
De fato, nestes oito anos de manejo de alergias alimentares múltiplas, apesar dos momentos difíceis, Marcela, mãe e mulher, contabiliza muitas conquistas.
A principal delas foi, sem dúvida, proporcionar aos filhos, não só uma dieta inclusiva e saborosa, mas uma imunidade melhor.
Além disso, através do seu conhecimento e da sua experiência, hoje pode ajudar outras pessoas. E o que mais importa: seguir a jornada de forma leve e segura.
Marcela Lima – Especialista em Saúde Intestinal, Gastronomia e Nutrição Funcional, ajuda pessoas a alcançar a desejada tolerância imunológica, saúde e equilíbrio. Consultas presenciais, em Vila do Conde -Portugal ou on line. Instagram:@bemmaisleve2