Alê deu de cara com o seu vitiligo no verão de 2012. De férias em Punta Cana, República Dominicana, ela acordou no segundo dia da viagem com manchas de cor leitosa na ponta dos dedos das mãos, dos pés e nas bochechas.
No íntimo, suspeitou que era vitiligo, pois já tinha visto manchas parecidas em um colega de faculdade. “Porém era melhor fingir que nada estava acontecendo e pensar que eram apenas manchas de sol” reconhece hoje..
Apesar do constrangimento que aquelas manchas lhe causavam, decidiu aproveitar o passeio. Era a sua primeira viagem internacional e, afinal de contas, por ali ninguém a conhecia.
De volta a Belo Horizonte, sua cidade natal, procurou o médico. Recebeu o diagnóstico da doença e uma sentença de abandono e solidão que ficaria para sempre na sua memória.
Sim, Alessandra Marina da Costa oficialmente tinha vitiligo. Naquele momento sentiu que, por conta da doença, perderia tudo que havia conquistado.
Com apenas um ano e meio de casada, imaginou que seu marido provavelmente a deixaria. E o sonho de ser mãe também acabaria ali no final daquela trágica consulta.
O médico que lhe atendeu endossou todos os seus medos, aumentando o seu drama pessoal. “Ele disse que meu marido poderia sim me deixar e ainda sugeriu que eu não tivesse filhos, pois se engravidasse haveria risco do bebê nascer “manchado”.
Inconformada com o triste fim que o diagnóstico de vitiligo lhe reservava, decidiu buscar uma segunda opinião.
“O segundo médico olhou e disse que eu tinha psoríase, pois também havia uma descamação nas manchas”.
Na dúvida, optou por consultar um terceiro profissional de saúde e, apesar de receber a confirmação do primeiro diagnóstico, sentiu paz.
“A médica me disse: sim você tem vitiligo, mas fique tranquila. Eu vou te ajudar. Ela me acolheu e isso fez toda a diferença “, recorda.
Vergonha, tristeza e ansiedade
Definido o diagnóstico, investiu no tratamento com laser na esperança de cura e, enquanto isso, escondia as manchas como podia.
Os tratamentos, que lhe custavam na época cerca de mil reais a cada semana, não resultaram.
As manchas só aumentavam e com elas também a tristeza e a ansiedade de Alessandra..
Para esconder a doença, carregava na maquiagem, usava sempre roupas de mangas compridas e até mesmo luvas.
Não se expunha ao sol, não usava trajes de banho. A vida sexual também foi impactada, pois tinha vergonha de expor-se ao marido.
Arteterapia e corrida
Nesta época, a convite da médica que lhe atendia começou a participar de um grupo de estudo de arteterapia para mulheres com vitiligo. O objetivo era trabalhar a auto-estima e o autoconhecimento.
A inserção no grupo foi um dos primeiros marcos de superação para Alessandra que começou a enxergar novas perspectivas para além do vitiligo.
A partir dali se conectou com outras pessoas e, depois de algum tempo, passou a fazer parte de um grupo de corrida onde se sentia acolhida.
“No grupo de corrida, percebi que as pessoas não me cobravam performance, muito menos se preocupavam com o vitiligo”.
Quando iniciou, não era capaz de correr cem metros. Em 2014, em apenas um ano, foi evoluindo até correr os 18 km na primeira volta internacional da Pampulha, Minas Gerais.
Fez amizades, colecionou medalhas, mas ainda carregava consigo o estigma do vitiligo.
Desinformação e dor emocional
As pessoas com vitiligo, muitas vezes, sentem-se discriminadas e desvalorizadas devido ao preconceito.
Hoje, onze anos depois do seu diagnóstico, Alê considera que ainda há muito desconhecimento e mitos sobre a doença.
Mesmo entre os profissionais de saúde, segundo ela, ainda há muito despreparo para lidar com pessoas com vitiligo.
Por desinformação é comum, por exemplo, acreditar que o vitiligo seja contagioso.
Emocionalmente o diagnostico de vitiligo pode ser devastador, pois afeta a auto estima da pessoa e com Alê não foi diferente.
Nos três primeiros anos que se seguiram à sua primeira consulta, ela viveu altos e baixos emocionais e até pensou em suicídio.
Mas não era só o vitiligo…
Alê conta que nesta época trabalhava como executiva administrativa de uma empresa familiar e o seu nível de estresse já beirava o esgotamento.
O desgaste emocional chegou ao limite e o que seria apenas uma pausa para tratamento foi o começo de uma mudança de vida.
Rompeu com tudo e começou a pensar em mudar de vida e fazer um redirecionamento de carreira.
Mas ainda assim o vitiligo continuava a incomodar. “Eu tinha nojo, raiva, medo, insegurança e tristeza.
Vivia um processo de autopunição. Eu era preconceituosa comigo mesma Não existiu uma pessoa mais ruim para mim do que eu mesma,” reconhece.
Por fim descobriu que seu pior carrasco, sempre fora ela mesma. Não, o seu marido não a abandonou como ela havia imaginado. E sim, ela tornou-se mãe de um lindo menino.
Com a cura emocional nasceu o desejo de trabalhar em favor das pessoas com vitiligo para diminuir o estigma e promover a auto aceitação.
Em 2018, se especializou em psicologia positiva e fez formações em coaching que se somaram à sua formação anterior na área de RH e pedagogia empresarial.
Autoaceitação e liberdade
A libertação total veio mesmo em 2020. Estava de férias com a família em Porto Seguro e, pela primeira vez desde o diagnóstico de vitiligo, se permitiu entrar na água do mar.
E se deliciou com aquele banho. Entrou no mar de sombrinha na mão para proteger a pele, que via de regra, é mais sensível devido a despigmentação.
Pode parecer estranho alguém entrar no mar carregando uma sobrinha para se proteger do sol. Todavia se houveram comentários ou olhares, já não tinham a menor importância.
Hoje Alê Costa, é uma Vitilinda e ajuda mulheres e mães de crianças com vitiligo. O nome Vitilinda faz uma referência a beleza do ser humano com vitiligo.
Ela também possui um grupo de ajuda de mulheres e mães no whatsapp, promove encontros mensais gratuitos, dá cursos on line, faz mentoria e é palestrante internacional..
E não só: Iniciou um projeto de contação de histórias da personagem Vitilinda, uma formiguinha com vitiligo, em parceria com o Vovó Pin. As histórias podem ser acessadas via spotify. Em breve, elas farão parte de um livro infantil.
“Somos todos iguais a partir das nossas diferenças” afirma, contando que os pilares do trabalho que desenvolve é a aceitação, a inclusão, a diversidade e o bem-estar.
“Não é porque nós temos uma doença que somos doentes. O vitiligo ainda não tem cura física, mas ouso dizer que com o vitiligo, eu encontrei a cura da alma.
Hoje eu me sinto curada daquela dor que me levou ao fundo do poço. E é isso que procuro fazer através do meu trabalho. Encorajar as pessoas e despertá-las para que vejam além do vitiligo”.
Alê Costa já foi morena um dia. Hoje tem cerca de 90% do corpo branco devido ao vitiligo universal que também já chegou ao cabelo. E tá tudo bem, como ela bem afirma: “minha diferença, meu diferencial”..
Contatos Alê Costa
Instagram: @alecosta.vitilinda
Para ouvir a historinha da formiginha Vitilinda acesse:
Saiba mais sobre o Vitiligo
O que é o vitiligo?
O vitiligo é uma doença que se caracteriza por manchas brancas, devido a despigmentação da pele.
A causa é a perda seletiva dos melanócitos, células responsáveis por produzir a melanina, pigmento que dá a cor à pele.
A doença atinge até 2% da população mundial, as causas não estão totalmente esclarecidas.
Entretanto, acredita-se que pode ser desencadeado por alterações autoimunes, associadas a fatores genéticos e ambientais, incluindo o estresse.
Pode se manifestar em qualquer idade e sexo e aparecer em qualquer parte do corpo.
Diagnóstico
O diagnóstico do vitiligo é clínico. O médico, geralmente um dermatologista, analisa as manchas e características para saber se é ou não. Poderá solicitar alguns exames adicionais.
Não há cura para a doença, mas controle e uma possível remissão.
Tratamento do vitiligo
O tratamento objetiva reduzir a inflamação local e estimular a pigmentação.
É definido pelo profissional de saúde, de acordo com alguns fatores como idade, extensão das manchas e fase da doença.
Inclui cremes, pomadas com corticoides, medicamentos imunomoduladores com ação semelhante aos corticoides, fototerapia e laser para estimular a pigmentação e enxerto cirúrgico.
Há outros tratamentos não convencionais para o vitiligo como por exemplo o protocolo da vitamina D.
Cabe ao paciente investigar e decidir, em parceria com o profissional de saúde, o tratamento que melhor lhe convém.
É importante ressaltar que o vitiligo não provoca danos aos órgãos e fica restrito à pele.
Por isso não considera-se obrigatório tratar. Entretanto, devido ao aspecto estético o paciente sofre impacto psicológico e pode desenvolver quadro de depressão.
Referências:
Bergqvist, Christina, and Khaled Ezzedine. “Vitiligo: a review.” Dermatology 236.6 (2020): 571-592.
Consulta em 07/07/2023
Disponível em:
https://karger.com/drm/article-pdf/236/6/571/2664336/000506103.pdf
Seneschal, Julien, et al. “An update on Vitiligo pathogenesis.” Pigment cell & melanoma research 34.2 (2021): 236-243.
Consulta em 07/07/2023
Disponível em:
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/pcmr.12949