Flor de Lotus by Patricia Ferreira é um centro de estética fundado há 4 anos pela portuguesa e açoriana Márcia Patrícia.
O espaço, situado em Vale de Cambra e agora com uma nova unidade em São João da Madeira- no Norte de Portugal- oferece serviços de depilação a laser, manicure e pedicure, massagens, designer de sobrancelhas, entre outros.
Muito além dos cuidados de beleza e bem estar, a Flor de Lótus é na verdade um símbolo de superação da sua criadora.
Vítima de maus tratos e abusos na infância e adolescência, Márcia venceu o medo e a quase aversão de se relacionar com outras pessoas. E mais: no seu coração, nasceu o desejo de ajudar e fortalecer outras mulheres.
“Eu evitava as pessoas ao máximo. Se estivesse em algum lugar e visse alguém conhecido chegar, era capaz de me retirar, entrar na casa de banho ou sair do local. Buscava sempre uma desculpa para me esquivar.
Na verdade, não queria ter contato com ninguém, falar com pessoas, olhar nos olhos. Eu também era uma pessoa muito difícil. Muitas vezes dura e inflexível mesmo com colegas de trabalho.
Quando Deus te surpreende
Quando uma amiga lhe desafiou a fazer uma formação em laser para trabalhar nas horas extras e aumentar os rendimentos, Márcia disparou: ” -Estás, tola?” Isso porque pensou, de fato, que aquela era a ideia mais ridícula que já ouvira nos últimos tempos”. De fato, parecia-lhe impossível fazer atendimento ao público e o pior: conversar com outras mulheres.
Definitivamente, tinha poucas habilidades sociais e jamais se imaginou atendendo diretamente o público. Entretanto, hoje reconhece que, na verdade, as feridas da infância e da adolescência estavam por trás das dificuldades de se relacionar com outras pessoas. “Eu era uma mulher amarga e infeliz. Não gostava nem de crianças. Não entendia porque as crianças tinham de ser felizes, se eu fui uma criança tão infeliz.”
“Mas o que era impossível para mim, era possível para Deus”, conta Márcia que de repente se viu pensando na possibilidade de fazer a formação e de atender pessoas, pois afinal precisava mesmo de uma renda extra.
E assim aconteceu. Márcia não apenas submeteu-se à formação como imediatamente montou um espaço para receber e atender os clientes em sua própria residência. As dificuldades iniciais aos poucos foram sendo suplantadas. E de repente, ela se viu sorrindo, conversando e ouvindo histórias de outras mulheres.
O mais engraçado é que Márcia estava decidida a não atender ninguém da empresa onde trabalhava. Não queria ser vista, nem lidar com pessoas que já lhe conheciam, mas inevitavelmente, foram justamente estas as suas primeiras clientes. ” Eu não era nada simpática e, por isso mesmo, pensava que as pessoas não gostavam de mim”.
Algum tempo depois, com o crescimento da demanda, decidiu que era hora de sair de casa e alugar um espaço. E se viu diante de outros desafios: a coragem de empreender e o mais difícil: dar a cara.
Márcia mais uma vez, no curto espaço de tempo, ousava sair da sua zona de conforto, algo que lhe obrigava a perder o medo e a vergonha de se expor em público. E foi aí que nasceu a primeira unidade da Flor de Lótus by Patricia Ferreira.
Ela conta que decidiu associar a marca Flor de Lótus ao nome Patrícia Ferreira, já que poucas pessoas conheciam este o seu segundo nome.
“Era uma forma de tentar me esconder. Não queria ser notada”, acreditava ela que sempre foi conhecida por Márcia, seu primeiro nome. Parece piada, mas alguns clientes em tratamento já chegaram a lhe perguntar: “- e a Patrícia Ferreira, ela não aparece aqui?
O apoio a outras mulheres
Depois de ter inaugurado o espaço, sentiu que precisava agregar outros serviços e manter o local aberto a tempo integral.
Decidiu colocar um anúncio no facebook. “Quando recebi duas candidaturas de mulheres imigrantes, recém chegadas a Portugal, entendi que minha missão também era apoiar outras mulheres.
Então, a partir daquele momento decidiu dar oportunidade a mulheres que precisam começar ou recomeçar a vida profissional.
A ideia, além de agregar novos serviços, passou a ser facilitar a entrada destas mulheres no mercado de trabalho e, desta forma, contribuir para a auto-sustentabilidade de cada uma.
Em pouco tempo, a Flor de Lotus passou a ofertar diversos serviços, mas o que pouca gente sabe, é que Márcia Patrícia não tem funcionárias, nem trabalhadoras comissionadas, muito menos oferece suas estruturas mediante cobrança de percentuais ou mesmo se beneficia com algum tipo de sublocação do seu espaço.
A Flor de Lótus é formada por mulheres empreendedoras, sob liderança de Márcia Patrícia. Mulheres que crescem juntas e se ajudam mutuamente, porém cada uma na sua área de competência, dividindo o mesmo espaço e custos associados.
A flor que nasce do lodo
No início, ela conta que não sabia bem o por que de ter escolhido o nome Flor de Lótus. “Foi o nome que me veio à cabeça. E tive a convicção de que seria ele”, conta ela sem imaginar a relação entre o nome escolhido e a sua história de superação. Na verdade, a Flor de Lótus é uma flor aquática que floresce na água e significa pureza espiritual.
Aquilo que não se vê, é que a raiz da flor de lótus emerge de um fundo lodoso e que seu pecíolo longo e espinhoso – parte que liga a folha ao caule- é o que permite que a flor se sustente acima d’água, criando uma estética de beleza ímpar. Além disso, a planta Flor de Lótus na cultura asiática é associada ao renascimento.
Sim, Márcia Patrícia literalmente renasceu Saiu do casulo escuro onde se escondia e seguiu superando dores e dificuldades. Mais do que isso, passou a prestar cuidados a outras mulheres. Confrontou, sem perceber os seus traumas e amarguras d’alma.
E só recentemente Márcia conta que compreendeu o verdadeiro motivo do nome Patrícia Ferreira. “Eu achava que era para me esconder, mas certo dia, Deus falou para mim: – Filha, na verdade eu quis que você colocasse este nome apenas para que tivesse a certeza de que a Márcia do passado não existe mais. Você renasceu. Aquele foi um momento libertador para mim”, conta ela que, desde então, sente-se mais livre e leve, como se não carregasse mais o peso da sua história.
O abuso do passado
A história de Márcia Patrícia, 40 anos, pode inspirar e libertar muitas mulheres vítimas de abuso e violência. Aos 4 anos, Márcia e a mãe saíram da 3º Ilha dos Açores e vieram morar em Vale de Cambra, no Norte de Portugal, com a sua nova família: o padrasto e a irmãzinha, filha do casal.
Márcia cresceu colecionando tristezas, agressões e violações por parte do padrasto e de seus familiares. Aos 8 anos de idade, perdeu a inocência da infância. E a vida que já lhe parecia amarga e difícil, tornou-se a expressão do inferno: foi violada sexualmente pelo padrasto com quem era obrigada a conviver e a trabalhar
Lembro-me que um dia chorando perguntei a Deus porque eu tinha nascido? Qual era o sentido da minha vida? Porque para mim não valia mais a pena viver. Naquele momento tive uma experiência única com Deus e senti que levitei. Era como se os meus pés não tocassem o chão. A partir dali, eu sempre ia ao monte que havia na aldeia onde eu morava para conversar com Deus. Era uma forma de aliviar a minha dor”.
Márcia nunca contou à sua mãe sobre as violações que sofria, pois vivia sob constante ameaça e tinha medo. O padrasto era violento e por muitas vezes viu a mãe apanhar. Ela conta que ele dormia com uma faca ou uma pistola debaixo do travesseiro.
Na escola, era proibida de fazer amizades e se relacionar e, por isso, na maior parte do tempo estava sozinha.
Na verdade, se sentia vigiada, pois percebia o olhar do contínuo, auxiliar escolar, sobre ela. E o padrasto, muitas vezes, aparecia de surpresa.
Na adolescência, por volta dos 14 anos, indagada sobre o seu isolamento na escola, pela primeira vez abriu o seu coração. “Contei tudo à minha diretora de turma, mas ela não fez nada”, recorda Márcia que nesta época frequentava a escola secundária.
Aos 18 anos, Márcia fugiu de casa e foi morar com de uma senhora que decidiu dar-lhe abrigo e trabalho. “Na hora de sair, meu padrasto chegou e percebeu as minhas intenções. Ele tentou me prender, mas eu consegui fugir, porém tive que deixar para trás as minhas coisas”, recorda.
Passados alguns dias, a mãe de Márcia conseguiu encontrá-la e toda verdade veio à tona. “Minha mãe também decidiu abandonar o meu padrasto e veio morar comigo. Alguns meses depois, consegui alugar uma casa para ela e foi um recomeço muito duro, pois eu ganhava muito pouco.
Naquele mesmo período, uma segunda vítima de abuso denunciou o seu padrasto, que entretanto refugiou-se na França. Encorajada, Márcia decidiu também apresentar queixa.
Entretanto, segundo ela, na altura disseram-lhe , em tribunal, que ela já era maior de idade e que não havia meios de provar um crime que acontecera quando tinha 8 anos. Todavia, se desejasse poderia entrar com um pedido de indenização pelos danos sofridos.
“Gostaria que ele tivesse sido preso e pagasse pelo seu crime. Dinheiro, eu não queria, pois nenhum valor seria capaz de pagar por todo o sofrimento que eu passei”.
O reencontro com Deus
Passados 22 anos, desde que saiu de casa rumo a sua liberdade, Márcia comemora duas coisas: aquele primeiro encontro com Deus, aos 8 anos, que a impulsionou a não desistir da vida e o fato de anos depois, ter um reencontro com Deus, que transformou o seu caráter e, aos poucos, lhe permitiu se libertar do passado e aceitar aquilo que não poderia mudar.
Márcia conta fez a primeira comunhão, a crisma e foi catequista. Muitas vezes, acordava de manhã cedo e ia à missa, pois era um ambiente onde sentia a paz que lhe faltava em casa.
Porém, com o passar do tempo, a sua relação com Deus foi ficando cada vez mais distante. Há alguns anos, porém em meio às turbulências da vida, uma amiga a convidou para ir à igreja, receber uma oração.
“Estava muito triste e desanimada, mas a partir daí comecei a desenvolver um relacionamento pessoal com Deus”.
Assim como disse Jesus: “vinde a mim, vós que estais cansado e oprimido e eu vos aliviarei”, Márcia conta que se achegou quebrantada e despida de máscaras.
Entregou a sua dor, suas fraquezas, seus medos e duras verdades. O começo da sua transformação espiritual e de sua nova trajetória profissional, coincide justamente com este período.
Beleza por Cinzas
“Quando eu me aproximei mais, Ele foi trabalhando e me libertou de coisas que eu achava que eram impossíveis. O meu fardo foi se tornando mais leve.
Conheci o verdeiro amor e aos poucos, Ele foi me transformando. A mágoa foi diminuindo e dando lugar ao perdão e à compaixão”, afirmou.
Márcia conta que também aprendeu a sorrir mais, a ser mais compreensiva, flexível e tolerante consigo mesma e com os outros a sua volta.
E o melhor de tudo: nesse processo descobriu que sim podia amar também as crianças. Para sua surpresa, tornou-se madrinha.
”Com meu afilhado Gonçalo pude experimentar um sentimento que nunca havia sentido antes. É simplesmente sublime”, conta Márcia que é casada há 15 anos e espera um dia ser mãe.
A segunda tentativa de inseminação artificial quase lhe tirou a vida, por algumas complicações, entre as quais uma reação adversa grave.
E mesmo nesta experiencia dolorosa, ela conta que mais uma vez pode sentir a presença e o amor de Deus em sua vida. Ter sobrevivido foi um milagre.
“No leito do hospital, lendo a bíblia, compreendi que não deveria insistir mais. Vou esperar em Deus. Ele já trabalhou tanto na minha vida. Me deu beleza onde antes só havia cinzas”, afirma Márcia, ressaltando que sua história de superação e sobrevivência nunca foi sorte. Sempre foi Deus.