Teresa Melo cresceu sonhando com uma carreira de sucesso. Formou-se em Ciências da Comunicação com foco em publicidade e marketing e logo estava no mercado de trabalho.
Gostava da vida produtiva, agitada e criativa muito própria da sua profissão. Eram muitas reuniões e um constante burburinho social que a carreira não só lhe proporcionava como exigia.
Na década de 90, sentia que caminhava a passos largos na profissão que abraçou com paixão.
Saiu da faculdade direto para o mercado de trabalho.
Trabalhava no ambiente editorial de revistas glamourosas. Logo assumiu a responsabilidade de alavancar um projeto novo: a Revista Caras Decoração. “Fazíamos campanhas lindíssimas com fotos maravilhosas”, recorda.
Ousada e ciente das suas competências, Teresa sonhava em ir cada vez mais alto na carreira e, mesmo satisfeita com o seu trabalho, buscava novos desafios.
Logo deixou o mercado editorial e assumiu a direção de marketing de uma grande empresa de informática com operações dentro e fora do país.
Reuniões, viagens, campanhas e interações com os mais diversos públicos. Teresa estava no auge da carreira. Sentia-se plena, feliz e realizada!
Quando o inesperado acontece
Casou-se e engravidou dois anos depois . “Sempre acreditei que podia conciliar uma carreira de sucesso, casamento e maternidade”, lembra Teresa.
Assim como todas as mães de primeira viagem, ela investiu nos melhores manuais de instruções para lidar com as rotinas dos bebês.
Porém algo fora do script aconteceu: o bebê de Teresa não se enquadrava nos padrões descritos.
Entretanto, acreditava que, se havia algo errado, era culpa dela. “Eu é quem não estava fazendo as coisas direito”.
Demissão e isolamento social
Embora com algumas dificuldades, com o final da licença-maternidade, Teresa imaginou-se retomando o trabalho.
Porém, a pouca flexibilidade que a organização lhe oferecia – com exigência de reuniões presenciais e viagens – somadas às dificuldades de criar rotinas e horários para o bebê, levou-a a enxergar apenas uma única e dolorosa saída: pedir demissão.
“Acabaram por me fazer perceber que eu não era capaz, numa altura em que eu achava que realmente não era capaz. Anunciei a minha saída um bocadinho empurrada pela situação”, recorda.
Com a demissão, Teresa viveu um dos momentos mais difíceis da sua vida. Fechou a porta para o mundo do trabalho, que tanto conhecia e amava, e trancou-se literalmente no seu novo e desconhecido mundo.
E o pior de tudo: tinha de se adaptar a uma realidade que ainda não compreendia muito bem. O caminho natural foi se isolar de tudo e de todos.
“Não queria expor as minhas fraquezas. Eu achava que era uma questão de adaptação e, por isso, não quis pedir ajuda a ninguém.
Teresa nem sequer partilhou com o próprio marido a sua dor ou as dificuldades daqueles primeiros meses.
Na verdade, quando estava com alguém, queria mostrar que estava tudo bem.
“Nunca partilhei esta frustração que eu sentia”, conta, afirmando que hoje até se arrepende de não ter buscado uma ajuda terapêutica.
Uma hipótese de diagnóstico
Uma das maiores dificuldades para Teresa era ter um noite de sono, pois a criança acordava muitas vezes. Agitava-se e chorava muito. Na verdade, não dormia mais de dez a doze minutos seguidos. Isso exauria as suas forças.
Quando o bebê tinha cinco meses, o pediatra chamou a atenção para algumas características que contrariavam os padrões: a hipertonicidade (rigidez muscular) e os espasmos (contração muscular involuntária) nos braços e pernas além do sono irregular.
As primeiras consultas, na área da genética, aconteceram por volta dos cinco meses. O objetivo era despistar alterações neurológicas como a paralisia cerebral, porém os resultados eram sempre inconclusivos.
Por volta dos dois anos e meio, observou-se regressões na fala que, somado às outras características, levaram pela primeira vez a hipótese de autismo.
Entenda o TEA
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) refere-se a uma série de condições relacionadas ao dano no desenvolvimento neurológico.
De acordo com o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM) pessoas dentro do espectro apresentam déficits na comunicação e interações sociais, interesses restritos e comportamento repetitivos.
É classificado por níveis, de 1 a 3, de acordo com o nível de comprometimento funcional sendo um leve, dois moderado e três, grave.
Os primeiros sete anos
Sem um diagnóstico concreto, Teresa seguiu fazendo testes e avançando, saltando de médico em médico nos sete anos que se seguiram à primeira consulta.
“Nos primeiros dois anos, eu andei quase que como um zumbi. Sinceramente não tinha muita consciência do que se passava. Só sabia que estava num cansaço muito grande e com muita dificuldades”, relata Teresa.
Sem apoio, sem conhecimento e sem um diagnóstico fechado, Teresa foi seguindo os seus instintos. Fazia tudo por tentativa e erro. Aos poucos ia acertando mais do que errando.
Percebeu que a criança não tolerava, por exemplo, locais expostos a muitos estímulos com luzes e ruídos. E que também não reagia bem a situações que saíssem fora da rotina e tinha preferências alimentares específicas.
A ausência de um padrão de sono continuava sendo um grande desafio. Seu filho passava as noites acordado, a ver filmes, a andar e correr pela casa.
O padrão de sono, finalmente começou a melhorar quando a criança já tinha cerca de 4 anos e meio e passou a tomar medicação para dormir. Teresa conta que até tentou métodos naturais mas não resultou.
Entretanto, somente com a entrada do seu filho no ensino básico, conseguiu finalmente estabelecer uma rotina de sono com horários regulares.
Nestes primeiros setes anos, Teresa resumiu seu mundo em aprender muito e aplicar todo o conhecimento que podia.
E aos poucos a solidão e o medo foi dando lugar à vontade de vencer e superar os desafios que tinha pela frente.
Pavimentando um novo caminho
Ao olhar para o seu processo de transição, Teresa compreende que não foi algo simples, mas acredita que a superação é um caminho possível.
Geralmente mulheres e mães na sua condição enfrentam sentimentos de medo, de culpa e de injustiça. “Há uma maternidade idealizada que se confronta com realidade fora do padrão que estas mulheres vivenciam”
O ponto de viragem, na sua opinião, acontece quando as ideias formatadas começam a ruir e a necessidade de adaptação fala mais alto.
“ Aos poucos comecei a perceber que aquela ideia que eu tinha de mãe não correspondia à minha realidade, que era ser mãe de uma criança que não se encaixava no padrão. Então comecei a buscar a minha essência, aquilo que me fazia sentir bem naquele papel.
Então, Teresa compreendeu que ao invés de se lamentar precisava impulsionar o desenvolvimento do filho.
Múltiplas habilidades
“Eu sabia que eu tinha que dar uma resposta àquela situação e suprir as necessidade que ele tinha. Não havia respostas concretas e as consultas eram demoradas. Por isso, a alternativa era tentar aprender eu própria o mais que eu pudesse. Não para substituir os terapeutas, mas para continuar o trabalho em casa”, ressalta lembrando que em termos cognitivos a criança não apresentava nenhum problema.”
Foi aí que a profissional de marketing descobriu outras habilidades. Teresa arregaçou as mangas e pôs-se a trabalhar para desenvolver a autonomia do filho. E foi um pouco de tudo: professora, enfermeira, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta, psicoterapeuta.
O fato é que quando seu filho entrou para o ensino básico aos sete anos, já sabia ler e escrever. E para surpresa da escola, em muitos aspectos cognitivos estava mais avançado do que o esperado.
Uma nova carreira, um novo caminho
Passada a fase da primeira infância, a entrada na escola e interações sociais eram novos desafios a vencer. Teresa enxergava um mundo que não estava preparado para lidar com as crianças com necessidades educativas especiais. E na verdade, ainda há um longo caminho a percorrer.
Até a 4ª classe, ela foi gerindo as ocorrências escolares. Conseguia negociar um estilo de aprendizagem mais inclusivo. Havia também por parte dos professores, segundo ela, uma disposição para flexibilizar algumas rotinas levando em conta as peculiaridades de uma criança que não se enquadrava no padrão.
A entrada do filho para 5º classe representou, porém, um novo universo com muitos professores e uma certa rigidez nos padrões de ensino.
Foi então que Teresa percebeu que o seu filho não era a única criança com dificuldades em sala de aula. E pela primeira vez começou a pensar em estratégias para ajudar outros pais.
“Custava-me imenso sentir uma certa apatia e resignação. Muitos pais simplesmente se resignam com o fato da professora não conseguir trabalhar com a criança e, simplesmente, pô-la de lado. Quando na verdade deveriam tentar perceber o que se podia fazer para melhorar aquilo”.
Em 2008, começou a fazer reuniões informais com pais de crianças com autismo e déficit de atenção em uma sala cedida pela Câmara Municipal de São João da Madeira, cidade portuguesa onde reside.
Teresa trabalhava para fortalecer a confiança das mães. “Muitas vezes a autoconfiança representa a diferença entre avançar e ficar presa no sentimento de medo, de culpa”.
Considerava que o caminho que ela havia traçado para si, quebrando pedras e superando adversidades, poderia ser mais fácil para os outros pais, se tivessem conhecimento.
“A informação é a chave para conseguirem ultrapassar as dificuldades, buscarem apoio e perceberem que afinal é possível”, considera Teresa.
O papel ativo dos pais
Na sua opinião, os pais muitas vezes se sentem perdidos e não sabem o que podem fazer para impulsionar o desenvolvimento dos filhos. Infelizmente, o estado português ainda não consegue dar respostas às necessidades de cuidados terapêuticos destas crianças e famílias em tempo hábil.
As filas de espera por atendimento podem chegar a dois anos e os custos no privado são altos. E se estiverem somente à espera, os pais correm o risco de perderem janelas de oportunidades para desenvolver capacidades e competências dos filhos na primeira infância. Portanto, é preciso sair do papel passivo e descobrir formas de atuar para ajudar os filhos a superarem as dificuldades.
De Diretora de Marketing a executiva do terceiro setor
Sem saber, através da sua história de superação e de apoio a outras famílias, Teresa Melo estava a construir um novo caminho profissional. O apoio informal que passou a realizar culminou com a criação da Associação de Apoio à Criança Hiperativa (AACH), formalizada como entidade jurídica, sem fins lucrativos, em 2015.
Um dos principais papéis da AACH é desburocratizar os processos e facilitar o acesso das crianças a direitos mínimos assegurados pelo estado e que a maioria dos pais, simplesmente desconhecem.
Atualmente, a entidade presta apoio a 120 famílias associadas. Além disso, atua ativamente na comunidade com formação nas escolas, universidades, além de organizações públicas e privadas.
Consciente de que o mercado de trabalho é um desafio para mulheres, com filhos e mães de filhos com necessidades especiais, neste momento a entidade preocupa-se em investir na formação destas. “É importante oferecer oportunidades que lhes permitam aumentar os seus rendimentos, trabalhando por conta própria”, explica Teresa.
Agora a presidente da AACH também começa a olhar para as perspectivas de inserção laboral, uma vez que os filhos, o segundo com TDAH, estão prestes a concluírem a formação profissional em informática.
Sim, há dificuldades a serem vencidas, mas também há um universo de oportunidades a serem trabalhadas.
Há muito para se fazer em termos de inclusão e Teresa Melo gosta de desafios. Não é por acaso que preside uma entidade que foi uma das pioneiras nesta área, em Portugal.
E o melhor de tudo: sente-se plena, feliz e realizada!